Não sou de todo dado a subjectivismos pós-modernos.
Acredito mesmo que existe uma coisa que dá pelo nome de “realidade”. Ainda
assim, sei bem, por experiência própria, o quanto, perante a mesma realidade – e
mesmo não havendo divergência quanto aos factos –, as interpretações podem ser
divergentes, até mesmo antitéticas.
A mais recente prova viva disso decorreu no
Colóquio “Afonso de Albuquerque: 500 anos depois”, promovido, em meados de
Dezembro, pelo MIL: Movimento Internacional Lusófono, em parceria com a
Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo e a Sociedade Histórica
da Independência de Portugal.
Perante os mesmos factos relativos à vida de Afonso
de Albuquerque, as interpretações foram, com efeito, nalguns casos, bastante
divergentes. O que não me surpreendeu. Para quem, desde logo, tem, no plano
geral, orgulho da nossa expansão marítima, Afonso de Albuquerque tende a ser
visto de forma positiva e mesmo algumas das suas acções mais questionáveis
tendem a ser relativizadas: se estas não seriam aceitáveis nos tempos de hoje (o
que ninguém contesta), à luz do seu tempo o mesmo não se poderá
dizer.
Mas nem todos, obviamente, têm essa posição de
partida, esse orgulho no plano geral da nossa expansão marítima. Para quem,
desde logo, assume uma posição de partida diversa desta, Afonso de Albuquerque
tenderá a ser visto sobretudo como um “agressor”. Nada menos do que isso. Ou até
mesmo – conforme alguém sugeriu durante o Colóquio – como um
“terrorista”.
Desdramatizando esse “conflito de interpretações”,
dei, durante o Colóquio, um outro exemplo, ainda mais eloquente, sobre um outro
Afonso da nossa história: o próprio Afonso Henriques. Enquanto fundador da nossa
nacionalidade, só os portugueses que lamentam a existência de Portugal tenderão
a ter dele uma visão negativa. O que não é, de todo, o meu caso. Acredito até
que se Afonso Henriques renascesse, morreria de espanto – e de orgulho – por
tudo aquilo que Portugal fez, sobretudo nos primeiros cinco séculos da sua
história, para mais tendo em conta que tudo começou com um pequeno
Condado…
Nas minhas regulares idas à Galiza, enquanto
Presidente do MIL e Director da Revista NOVA ÁGUIA, tenho porém verificado que
muitos galegos olham para Afonso Henriques de outra forma. E falo dos (muitos)
galegos pró-portugueses, mais do que isso, pró-lusófonos. Para estes, com
efeito, Afonso Henriques foi o principal responsável pela cisão histórica entre
a Galiza e Portugal. Enquanto português que também lamenta essa cisão, não deixo
de ser sensível a essa visão mais negativa de Afonso Henriques. Mesmo sabendo
que, sem essa cisão, muito provavelmente Portugal não teria sido tão grande
quanto foi.
Renato
Epifânio
Presidente
do MIL: Movimento Internacional Lusófono
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